Ararat, de Atom Egoyan
Com originalidade e bom gosto diretor egípcio,
descendentes de armênios e criado no Canadá mostra ao mundo sua versão
sobre o extermínio dos armênios pelos turcos no início do século XX.
Pedro Guimarães (Paris) - www.zetafilmes.com.br
Qualquer espectador de cinema minimamente atencioso já deve ter se
perguntado porque há tantos filmes realizados sobre o Holocausto dos
judeus durante a Segunda Guerra Mundial. A resposta porém é fácil.
Justamente porque em Hollywood, os grandes patrões dos maiores estúdios
são descendentes de judeus, isso sem contar diretores também poderosos
da indústria do entretenimento como Steven Spielberg.
Mas e com relação aos outros genocídios da História da Humanidade? Bom,
aí a questão é mais delicada. São raros os descendentes de curdos,
chechênios ou iugoslavos que tém influência e dinheiro - bastantes
para fazer o mundo conhecer, através do cinema, as mazelas dos seus
povos. Quando não se tem poder nem dinheiro, pode-se usar do bom gosto e
da originalidade. E foi justamente disso que Atom Egoyan lançou mão
para mostrar ao mundo sua versão sobre o extermínio dos armênios pelos
turcos no início do século XX. Nada de recriação histórica e de época
minuciosas, como fez Spielberg em seu "A Lista de Schindler". Atom
Egoyan, diretor canadense de origem armênia, usa de todos os recursos
linguísticos que o cinema lhe permite (flashbacks, organização temporal
fragmentada, filme dentro do filme) para contar uma história emocionante
e inesperada onde mais importante que retratar o passado de um povo e
se perguntar, qual o papel que os descendentes de uma civilização vitima
de genocídio deve ter no mundo atual. Tal papel é bem claro na cabeça
do diretor. Para tanto, ele distribui seu alter-ego em vários
personagens diferentes: o experiente cineasta que não deixa morrer a
chama da história do seu povo (Charles Aznavour); a bela historiadora de
arte que tem que lidar com seu lado de mulher moderna do século XXI sem
se esquecer de suas raízes (Arsine Khanjian, mulher de Egoyan); e o
jovem que volta ao seu país de seus antepassados em busca de suas
origens (David Alpay). Todas essas personagens são "flagradas" num
contexto ocidental, bem ao espelho do diretor, nascido no Egito, de pais
armênios e criado no Canadá, Egoyan voltou à Armênia para rodar seu
primeiro filme de sucesso "Calendar" (1993).
Por ter sido rodado fora do esquema dos grandes estúdios, "Ararat"
é nome do monte mais famoso da Armênia -, não tem aquele espírito
didático de obra feita para ensinar história para os menos esclarecidos.
O filme é uma obra livre, de ficção acima de tudo, mesmo que se apóie
em fatos reais. No entanto, a "realidade" do filme Egoyan deixou para o
filme dentro do filme, rodado pelo diretor vivido por Aznavour. Mas,
como bem acontece na vida de um cineasta, filme e realidade muitas vezes
se misturam.
Egoyan diz para quem quiser ouvir que "Ararat"
é o filme da sua vida, assim como "A Lista de Schindler" foi o filme da
vida de Spielberg. Este pode até ser a obra mais pessoal de Egoyan, mas
"Ararat" vai ter que brigar muito para
se tornar o filme mais impactante do diretor, já que sua filmografia
conta com os excelentes "O Doce Amanhã" e "O Fio da Inocência". Porém
uma coisa é certa, o filme mais desafiador sobre genocídios, agora
sabemos, não foi feito por judeus.